Infelizmente, as soluções que começam a aparecer são juridicamente impossíveis ou perigosas.
Para alguns a solução é a presidente dissolver o Congresso e convocar novas eleições, como ocorreu na Itália e na Grécia. O problema é que não somos um regime parlamentarista no qual o chefe de governo ou de Estado pode dissolver o parlamento.
Apenas o Congresso teria esse poder, e não seria algo automático: ele primeiro precisaria aprovar uma emenda constitucional para convocar uma eleição temporã.
Mas ainda que o Congresso faça isso, um novo parlamento não significaria, necessariamente, algo diferente. Nossa lei diz que só um filiado a partido político pode candidatar-se. Qualquer candidato teria que submeter-se às vontades das lideranças.
Mesmo que os peões sejam diferentes (e nem isso é garantido), as regras do jogo e os eleitores continuariam os mesmos.
Outra alternativa é alterar a Constituição, mas isso demanda tempo. E se não está claro qual é a pauta, fica difícil saber o que precisaria ser mudado para acalmar as ruas. Se formos mudar as leis, precisamos primeiro descobrir o que se quer ver mudado. Caso contrário, gastaremos um enrome tempo formulando 'planos nacionais' e 'marcos fundamentais' que são, na prática, ideais postos no papel, mas que não resolvem problemas porque carecem de substância.
A ideia de convocar uma nova constituinte vai na mesma toada: fazer uma constituição - ao menos uma democrática - demanda tempo. No caso da última, foram dois anos. E, novamente, se não está claro qual é a pauta, fica difícil saber o que deveria entrar no texto.
E tem o monstro sobre o qual ninguém quer falar abertamente: decretar estado de sítio. A solução de desespero em qualquer democracia.
Solução de desespero porque é a última possibilidade de solução antes de se cair em uma ditadura. Para manter a democracia, a própria Constituição possibilita suspender direitos fundamentais nela inseridos.
O art. 137, inciso I, da Constituição diz que a presidente pode solicitar ao Congresso autorização para decretar estado de sítio quando há comoção grave de repercussão nacional.
O que é comoção grave é subjetivo, mas seria difícil contrargumentar que o que está ocorrendo não seja grave e não tenha abrangência nacional. Do ponto de vista jurídico, portanto, há a possibilidade do pedido ser feito. Mas, a possibildade de se usar não significa que deva ser usado.
Se o Congresso não autorizasse o pedido, ele sairia como o defensor da democracia ameaçada pela presidente. Ou seja, há um enorme risco político em fazer tal pedido. Qualquer presidente sabe que não interessa o que ele tenha feito antes ou depois: ele se tornará para sempre o presidente que decretou estado de sítio.
Se o Congresso autorizasse, o governo federal, através das forças armadas e policiais, restringiria direitos fundamentais, como a liberdade de reunião, inviolabilidade de correspondência, sigilo das comunicações, prestação de informações, liberdade de imprensa, imposição de toque de recolher etc.
Mas mesmo que presumamos que a mesma presidente vítima de tortura durante a ditadura, e que instituiu uma comissão da verdade para apurar os abusos ocorridos naquele período, aceitasse a dependência da força para manter o controle do país, ninguém sabe se as forças armadas e policiais conseguiriam reestabelecer o controle.
O estado de sítio só pode durar, no máximo, 60 dias (30 dias prorrogáveis uma vez por igual período). A Constituição não diz o que acontece depois disso se o problema não for resolvido.
Não podemos esquecer que as revoltas em outros países duraram meses. Especialmente quando movidas pela percepção de falta de legitimidade das instituições e líderes, que é o que parece acontecer no Brasil.
Juridicamente, a Constituição não poderia ser modificada durante o estado de sítio para possibilitar uma nova extensão do prazo.
Se respeitássemos a Constituição, findos os 60 dias de estado de sítio, a revolta poderia ser ainda pior. E nosso histórico é que todas as vezes que as forças armadas saíram para controlar uma situação, demoraram décadas para retornar às casernas.
Por outro lado, se contrariássemos a Constituição e estendêssemos o estado de sítio além dos 60 dias, estaríamos do lado de dentro da ditadura.
Daí o perigo de, a essa altura, contemplarmos a possibilidade de se decretar estado de sítio. Como último recurso para salvar a democracia, o estado de sítio só deveria ser contemplado se tudo mais falhar.
Mas o debate realça também um outro problema: por mais atraente que possa parecer, tentar usar leis e força para apaziguar as ondas de protestos é tentar resolver as consequências de um problema, sem resolver suas causas. Se o problema é sociopolítico, a solução precisará ser política e social. Leis e instituições devem ser usadas para fortalecer tais soluções, e não para ditar as soluções.